KIAFUNHATA

imagens da vida e da arte

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A "tradição viva" na fala e figura do Griot HASSANE KASSI KOUYATÉ


No Teatro Gonzaguinha, Hassane Kassi Kouyaté falou ao público sobre sua experiência como um griot da África contemporânea. Diante da plateia, Kouyaté protagoniza o “agora falamos nós” sugerido por Thereza Santos (http://wwwkiafunhatavirtual.blogspot.com.br/2012/03/agora-falamos-nos-em08-de-marco-quando.html ) na emblemática peça teatral escrita em parceira com Eduardo Oliveira e Oliveira, marco de uma cena teatral afro-brasileira reforçada com esta encenção realizada no MASP durante a ditadura brasileira.

Em cena no Centro do Rio, Kouyaté fala como um integrante de grupos culturais que possibilitaram a análise teórica de Hampâté bá sobre a existência de uma “tradição viva” que auxilia na elaboração de estudos acadêmicos sobre cultura africana e afro-brasileira. É a palavra do griot testemunhando uma vivência apresentada a alguns de nós na teoria produzida em estudos antropológicos e culturais.
Kouyaté comprova na prática as teorias sobre a habilidade africana na oratória, tal como evidencia a criação literária do mestre angolano Uanhenga Xitu, responsável pelo simbólico personagem Mestre Tamoda e, não por acaso, alvo de meu estudo no mestrado. Está em cena a circularidade tão marcante na matriz africana. Com o estudo das memórias do mestre Xitu, me fiz mestra e circulei pela cultura africana. Com a breve narrativa oral que envolve memórias de sua gente, Kouyaté faz circular entre nós informações esclarecedoras sobre o traço hereditário indispensável na constituição de um griot legítimo. Nascer griot é uma condição derivada da origem,  ser um griot que exerce funções artísticas como  a contação e a música é uma opção para os nascidos sob esta condição. Ao falar da condição atual do griot em Burkina Faso, Kouyaté aborda a manutenção da aura tradicional creditada a estes homens, aos quais o povo burkinês reconhece como liderança e figura exemplar, exerçam eles as artes tradicionais ou não. 

Trabalhando  nas artes tradicionais e dividindo sua vida entre África e Europa, Kouyaté faz um testemunho marcado por momentos de ênfase ao fato das culturas surgidas nos espaços africanos pós-coloniais serem caracterizadas pela soma do saber tradicional e da cultura ocidental. Chega mesmo a frisar que a modernidade adentrou estes espaços sem enfraquecer tradições locais, visivelmente adaptadas aos novos tempos repletos de adventos tecnológicos. Nesse ponto, o círculo faz bico e em  minha leitura ocidental surge uma pontiaguda dúvida sobre atual postura (a)política destes griots, que no passado eram conselheiros do rei. Como atuam os griots nesta cena política contemporânea da África sem reinos e com nações? Ainda vigora a tradicional função de aconselhar os governantes? Quais conselhos dão a  esses chefes de Estado ainda assemelhados aos antigos reis no âmbito da riqueza?  Sua figura serve ao povo como um exemplo de permanência de uma estrutura de vida tradicionalmente marcada pela simplicidade  popular e opulência dos governantes?   Kouyaté não se pronuncia sobre este aspectoo político. Sua fala do ressalta apenas o peso que sente por ser uma figura tomada como exemplo, mas não esclarece se esta posição exemplar é utilizada por ele para interferir na vida e postura contemporânea de seu povo. O que fica claro é que estamos diante de um sujeito que transita entre a tradição e a modernidade, alternando a opção por uma ou outra e, na maior parte das situações, buscando elaborar um comportamento que mescla ambas.

Kouyaté é o narrador de uma história transmitida a ele pelos mais velhos, mas é também o narrador de uma história cultural africana que está sendo escrita, na qual se observa o desejo de inscrever conteúdos tradicionais em uma vida contemporânea forjada a partir de cada local de cultura. Portador de palavras que atualizam as experiências de ontem na cena de hoje, diante dos ouvientes de seu testemunho, o griot Hassane Kassi Kouyaté formula dúvidas e retoma experiências que ajudam a construir conhecimento indispensável para elaborar um futuro mais isento de confrontos e dúvidas que brotam do exercicío de aceitação e convívio com a diversidade presente nas visões de mundo.